Há quase 60 anos, Joaquina trocou Esmoriz por Londres. E tornou-se costureira da rainha de Inglaterra

Aos 29 anos, Joaquina trocou Esmoriz por Londres e acabou por se tornar responsável por costurar o manto da rainha Isabel II. Hoje, com 88 anos, recorda com saudade o trabalho minucioso e o tempo em que viveu sob ordens reais. “A rainha é de uma gentileza maravilhosa.”

impar,familia-real-britanica,inglaterra,monarquia,isabel-ii,reino-unido,
Fotogaleria
Joaquina Rodrigues regressou a Esmoriz quando tinha 50 anos Nelson Garrido
impar,familia-real-britanica,inglaterra,monarquia,isabel-ii,reino-unido,
Fotogaleria
Nelson Garrido
impar,familia-real-britanica,inglaterra,monarquia,isabel-ii,reino-unido,
Fotogaleria
Nelson Garrido
impar,familia-real-britanica,inglaterra,monarquia,isabel-ii,reino-unido,
Fotogaleria
Nelson Garrido
Fotogaleria
Nelson Garrido

Trocou Portugal pelo Reino Unido aos 29 anos para ser dama de companhia da embaixatriz do Paquistão. Aceitou porque “queria viajar”, mas não ficou no cargo durante muito tempo. Depois disso foi ama — ou “nanny” como gosta de dizer —, até que chegou a costureira da rainha Isabel II de Inglaterra, ofício que manteve até à reforma.

Durante mais de dez anos, de agulha na mão, Joaquina Rodrigues (ou Quina como é carinhosamente conhecida), costurou o manto real para a monarca que completa, esta quinta-feira, 70 anos de reinado. Um trabalho minucioso e delicado de peças de valor inestimável, bordadas a ouro. Hoje, com 88 anos e já em Portugal, a antiga costureira real natural de Esmoriz, em Ovar, recorda com muita alegria — e alguma saudade — o tempo em que trabalhou em Londres.

Nunca visitou o Palácio de Buckingham nem falou com a rainha, mas viu-a muitas vezes, quando foi convidada para os compromissos reais como as cerimónias de estudantes (para quem também costurava). Tem, por isso, uma opinião muito pessoal de dois membros da família real: “A rainha é de uma gentileza maravilhosa, curvava-se a todos os estudantes. Ela era fantástica com eles. Depois passou aquilo para a [princesa] Ana que era uma brutamontes e não fazia vénia a ninguém”, começa por contar.

Foto
Joaquina foi uma das convidadas do Jubileu de Prata de Isabel II, em 1977 Nelson Garrido

Mas esta não foi a única ocasião em que partilhou o mesmo espaço que a monarca. A memória já começa a falhar, mas ainda se recorda de ter ido, em 1977, à comemoração dos 25 anos de reinado, o chamado Jubileu de Prata. A par disso via-a todos os anos, no Royal Albert Hall quando ia levar o manto. Ainda assim, nunca trocaram uma palavra.

Com a dama de companhia de Isabel II, cujo nome já não se recorda, era tudo muito diferente. Conversavam durante as visitas ao ateliê de costura e nas cerimónias reais. “Comigo era fantástica. Éramos muito amigas e dormi muitas vezes em casa dela. Era muito bom”, recorda, entre risos.

Destinado a figuras reais ou súbditos, o trabalho da costureira tinha que ser perfeito. E foram várias as vezes em que, detectada qualquer falha, por mais pequena que fosse, o trabalho voltava para trás. “A Rose, a minha encarregada, chegou a pôr uma manga à minha frente e disse ‘quatro olhos vêem melhor do que dois; veja se isto está direito’”. Se não estivesse, Quina consertava.

Foto
Joaquina recebia o manto real em casa e colocava os apliques em ouro Nelson Garrido

Recorda a mesa comprida onde trabalhava com as restantes colegas. Enquanto costurava, não conversava e só se permitia fazê-lo durante as pausas para lanchar ou almoçar. Os temas poderiam ser variados, mas nunca abordavam a vida da monarca.

Quando passou a trabalhar em casa, para cuidar do marido que adoeceu, a antiga costureira recebia o manto real — peça que era mantida num cofre tendo em conta o valor — em mãos para fazer os apliques em ouro. Demorava o tempo que fosse preciso, mediante o rigor exigido. E foram várias as vezes em que recebeu o ordenado antes de entregar a peça. Foi assim até quando, aos 50 anos, decidiu reformar-se e voltar para Esmoriz.

Depois de ficar viúva, inscreveu-se na Universidade Sénior e retomou a vontade de viajar. Agora, que as pernas já cansam, os tempos livres são passados a ler a Bíblia e a jogar às cartas com a irmã “todos os dias das 17h às 19h”. Costura já não faz, mas cada ponto que deu para a monarca ainda lhe avivam as memórias de um tempo em que a sua vida se entrelaçou com a de Isabel II.

Sugerir correcção
Ler 1 comentários